CAVALA - 2023

Quando a minha primeira filha nasceu, em 2014, vi-me face à evidência dilacerante de que eu não era um homem. Não era sobre eu ser uma mulher mas sobre tudo aquilo que me escapava, na maternidade, por não ser eu o homem da casa. 

 

Os meses seguintes foram de um terror cáustico: eu não tinha um bebé recém-nascido nos braços, eu tinha parido uma bomba-relógio. 

 

Vi-me confinada a uma vida doméstica solitária em que os traços marcantes daquilo que eu era não passavam agora de vagos vestígios, alojados num canto qualquer de uma memória que já nem se parecia com a minha. 

 

Eu era uma dona de casa. 

 

Pensei que não ia sobreviver e, fosse o que fosse que restasse de mim, não serviria sequer para contar a história. Mas safei-me, e, desse ano inteiro, em que me vi amansada e levada a ser uma nova criatura (que já não era eu e que ainda não era eu), desenvolvi uma tecnologia do olhar e da atenção que me permitiu colocar um filtro no real e vê-lo através da lente da minha câmara fotográfica. O meu olhar e essas capturas, recolhiam da minha vida quotidiana, de mulher fechada num apartamento num 6º andar numa capital europeia, um presente ácido e auto-risível. MY DOMESTIC LIFE  é uma coleção de 144 fotografias, numeradas e com título que sobraram dessa vivência e que são um delírio doméstico oracular, que inspira profundamente todo o processo de criação de CAVALA.

 

Este solo não é sobre maternidade nem sobre mim em específico. Este solo é uma exposição da CAVALA no seu habitat natural, numa espécie de zoo da vida doméstica, em que o espetador é convidado a presenciar a existência desta cyborgue do quotidiano e do seu comportamento, situado entre o engate com a falha e o auto-sarcasmo construtivo. 

 

CAVALA propõe a continuidade entre corpo e mundo num território movido pela dimensão trágico-cómica do absurdo que é habitar a fronteira entre o público e o privado, entre o doméstico e o comunitário.